Para reflectir... (I)
O uivo dos lobos, ao luar de lua cheia
Acordo, sobressaltado, no sótão da casa. É o uivo dos lobos. Um uivo profundo, sentido, melancólico, triste. Foi derramado sangue nesta noite.
O patrão está a dormir, enrolado nos lençóis e mantas da sua cama de madeira, corrompido pelo caruncho. Saio para fora. Sigo o uivo, apressado, de caçadeira na mão.
Noite, coberta de luz. Noite de lua cheia. Corro em direcção ao matagal
(Os lobos uivam)
A luz da lua reflecte-se nas árvores centenárias, à medida que eu passo. Parecem vivas, parecem pessoas. A floresta adquire um tom cada vez mais misterioso à medida que avanço.
Chego a uma clareira. Uma matilha debruça-se sobre o que parece ser um cavalo. Devoram-no. Instintivamente dou um tiro para o ar. Os lobos assustam-se e batem todos em retirada, deixando o indefeso animal prostrado no chão, quase inanimado.
A luz reflecte-se no animal moribundo e aí posso ver que não é um cavalo qualquer, mas sim um unicórnio.
(Um sonho de certeza!)
Esfrego os olhos uma e outra vez. Aquela criatura mítica da qual todos nós ouvimos falar, quando em criança nos sentávamos no colo da mãezinha e ela nos conta uma história para embalar.
Ele relincha, sofrendo. Posso ver o seu sangue prateado a cobrir-lhe todo o corpo, desde o pescoço à barriga. O seu chifre ainda brilha.
Mas não há nada que possa fazer. As feridas são profundas, não irá sobreviver ao tempo de eu ir buscar ajuda e voltar.
(O chifre do unicórnio a perder o brilho)
Apenas me resta uma coisa. Pôr termo à sua agonia. Encosto a caçadeira à sua crina. Fecho os olhos. Disparo. Ele ter-me-ia ficado grato. De repente o ar parece começar a ficar mais frio.
À beira do unicórnio vejo um lobo morto, possivelmente espetado pelo chifre do unicórnio. Por isso é que os lobos uivam. Não por ter morto um ser único e extraordinário, mas sim por um deles ter sucumbido diante do valente unicórnio.
Os lobos não matam uma espécie qualquer só para se alimentar, têm regras. E são raras as vezes em que atacam em matilha nesta zona. Eles não gostavam do unicórnio. Talvez fosse demasiado diferente, demasiado especial, demasiado puro, para poder sobreviver neste matagal. Os lobos não tiveram piedade dele.
(Consumiram-no, devoraram-no)
Nem tiveram remorso. Só a morte de um deles os abalou.
Volto à casa. O patrão continua a dormir. Subo para o sótão. Continua a lua cheia. Deito-me e escuto. Pela última vez.
(O uivo dos lobos, ao luar de lua cheia)
J.F.C.
2004
Acordo, sobressaltado, no sótão da casa. É o uivo dos lobos. Um uivo profundo, sentido, melancólico, triste. Foi derramado sangue nesta noite.
O patrão está a dormir, enrolado nos lençóis e mantas da sua cama de madeira, corrompido pelo caruncho. Saio para fora. Sigo o uivo, apressado, de caçadeira na mão.
Noite, coberta de luz. Noite de lua cheia. Corro em direcção ao matagal
(Os lobos uivam)
A luz da lua reflecte-se nas árvores centenárias, à medida que eu passo. Parecem vivas, parecem pessoas. A floresta adquire um tom cada vez mais misterioso à medida que avanço.
Chego a uma clareira. Uma matilha debruça-se sobre o que parece ser um cavalo. Devoram-no. Instintivamente dou um tiro para o ar. Os lobos assustam-se e batem todos em retirada, deixando o indefeso animal prostrado no chão, quase inanimado.
A luz reflecte-se no animal moribundo e aí posso ver que não é um cavalo qualquer, mas sim um unicórnio.
(Um sonho de certeza!)
Esfrego os olhos uma e outra vez. Aquela criatura mítica da qual todos nós ouvimos falar, quando em criança nos sentávamos no colo da mãezinha e ela nos conta uma história para embalar.
Ele relincha, sofrendo. Posso ver o seu sangue prateado a cobrir-lhe todo o corpo, desde o pescoço à barriga. O seu chifre ainda brilha.
Mas não há nada que possa fazer. As feridas são profundas, não irá sobreviver ao tempo de eu ir buscar ajuda e voltar.
(O chifre do unicórnio a perder o brilho)
Apenas me resta uma coisa. Pôr termo à sua agonia. Encosto a caçadeira à sua crina. Fecho os olhos. Disparo. Ele ter-me-ia ficado grato. De repente o ar parece começar a ficar mais frio.
À beira do unicórnio vejo um lobo morto, possivelmente espetado pelo chifre do unicórnio. Por isso é que os lobos uivam. Não por ter morto um ser único e extraordinário, mas sim por um deles ter sucumbido diante do valente unicórnio.
Os lobos não matam uma espécie qualquer só para se alimentar, têm regras. E são raras as vezes em que atacam em matilha nesta zona. Eles não gostavam do unicórnio. Talvez fosse demasiado diferente, demasiado especial, demasiado puro, para poder sobreviver neste matagal. Os lobos não tiveram piedade dele.
(Consumiram-no, devoraram-no)
Nem tiveram remorso. Só a morte de um deles os abalou.
Volto à casa. O patrão continua a dormir. Subo para o sótão. Continua a lua cheia. Deito-me e escuto. Pela última vez.
(O uivo dos lobos, ao luar de lua cheia)
J.F.C.
2004
1 comentário:
Blog interessante... =)
às vezes, qd m "atacam" certos sonhos d infancia (talvez), gstava de ser um lobo...e devorar cada minuto que acreditei em utopias...
(mas isto sou só eu... a deprimir-me.. (em época de exames.. =P ) )
besito fachan =)
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